A Revelação Cristã e Seu Significado
A revelação cristã possui a força inerente à
verdade e ao seu portador: o Cristo. Ingenuamente, muitos acreditam ser uma
conjunção histórica o que fez do cristianismo a doutrina da salvação humana. É
notório como a mente pode fazer racionalizações quando não está disposta
a admitir um fato simples: um carpinteiro jamais teria a capacidade de
modificar os rumos da história e da consciência humana como realizou Jesus.
Acreditar que a força transformadora do cristianismo se deve apenas ao empenho
dos apóstolos ou a condições históricas favoráveis é um desprestígio que se
comete contra a própria inteligência ou o acometimento súbito de otimismo
incontrolável.
É crença comum, entre teólogos e religiosos, que
o papel de Jesus foi revelar a natureza e a grandiosidade de Deus a fim de nos
salvar. O Messias veio ao mundo para, com o sacrifício da cruz, salvar o mundo.
O Cordeiro de Deus que retira os pecados do mundo. E se Jesus nos salvou,
bastará apenas que o aceitemos como único e suficiente Salvador. Jesus disse
que veio para salvar o que estava perdido e que Deus desejava a morte do pecado
e não a morte do pecador.
Existem questões ou consequências estranhas
nessa concepção da missão de Jesus e no papel desempenhado pela revelação.
Não dizemos isso para desmerecer qualquer crença alheia as nossas
convicções, mas para estudarmos juntos e compreendermos a grandiosidade do
cristianismo. Não é estranho o fato de sermos salvos justamente por
assassinarmos Jesus? Não nos parece moralmente abominável que possamos levar
vantagem sobre a morte de um justo? Deveria Pôncio Pilatos receber um prêmio
por ter aceito o resultado da eleição instituída por ele mesmo? Eleição direta
em que Jesus perdeu para Barrabás sendo condenado a morrer na cruz? E se Pôncio
Pilatos tivesse salvo Jesus inocentando-o de um crime que, de fato, não houve?
Não seríamos salvos? Teríamos a necessidade de inúmeros julgamentos até
obtermos um bom resultado para a humanidade?
Não existe nenhum argumento moral para que
somente os que recebessem a revelação cristã pudessem ser salvos. Os índios já
possuíam a crença em um grande espírito criador do mundo e pai de todos os
homens. Possuíam solidariedade e respeitos pela natureza que, em muitos casos,
eram superiores ao comum dos cristãos. Não deveriam ser salvos por não serem
batizados ou por não conhecerem a revelação por Jesus? E os povos anteriores ao
nascimento do Cristo ou que o desconhecem? O Cristo disse que nenhuma das
ovelhas da casa de seu Pai se perderia. Que é o universo, senão, a casa de
Deus?
Como ser salvo apenas por conhecer o
cristianismo nos moldes que as religiões cristãs desejam? O cristianismo é uma
questão de atitude, de comportamento ou é definido simplesmente pela adesão à
crença ou pelo conhecimento teórico das escrituras? A aceitação da doutrina
cristã nada vale se não acompanhada por uma atitude cristã na vida diária. E na
verdade, toda teologia do mundo e todos os rituais, dogmas e sacramentos nada
valem perante um gesto de caridade. Todo o cristianismo encontra-se num gesto
de amor.
Acredito que a missão de Jesus foi mostrar ao
mundo que o amor em ação é a missão de todos os homens. Todos nós temos a
capacidade de amar. A salvação é fruto da obediência para com as leis
universais, não fruto da revelação. Revelar significar tirar o véu, não é
salvar. A revelação é o ensinamento de Deus aos homens, o início de nossa
caminhada espiritual em direção ao amor, não é o ponto de chegada aos céus. Por
isso Jesus dizia: este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe
de mim. Não basta acreditar, porque acreditar até o "diabo" acredita,
sabe que Deus é o supremo Senhor da vida.
Certamente os estudos religiosos e a teologia
são importantes na medida que favoreçam à prática do bem. Quando vistos apenas
pelo ângulo acadêmico, perdem a sua força interior e terão apenas um sentido
cultural ou profissional. Serão abstrações destinadas a impressionar os homens,
não a Deus. Lembremos a advertência de jesus quando disse: ai de vos doutores
da lei, que comem um camelo e moem um mosquito. Não entraram pela porta que
conduz ao Reino dos Céus e nem permitem que outros entrem.
Ao ressuscitar, o mestre ensina que também somos
imortais e responsáveis por nossos atos mesmo após esta vida. Que a morte não
existe e que cada um de nós tem o valor de ser imortal. Qual o valor que poderá
ser maior que a imortalidade? Mas é preciso desenvolver este valor para que
valorizemos o trabalho de Deus ao nos criar. Paulo diz que: se Jesus não
ressuscitou dos mortos, é toda vã a nossa doutrina.
Claro que jamais poderíamos alcançar a salvação
em um única existência, daí a necessidade da reencarnação. Como aprenderíamos a
amar a Deus sob todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos em uma única e breve
existência? Os que não creem na reencarnação são obrigados a crer na salvação
pela fé e não pela caridade, apesar de não existir a caridade ensinada por
Jesus naqueles que não tem fé.
Entendemos perfeitamente porque alguns acreditam
não ser necessária a prática da caridade para a salvação, mas apenas a fé. Sem
acreditarem na reencarnação, só podem contar com a graça de Deus sem se
perguntarem se esta graça viria acompanhada de uma real justiça. A mensagem
cristã é bem clara ao determinar que o homem de bem é o que ajuda o próximo,
não apenas o que crê em Deus. A parábola do bom Samaritano tem clareza
suficiente para não ser deturpada por sutilezas de natureza teológica ou
filosófica.
Aos poucos vamos nos dirigindo para uma
concepção mais justa e racional sobre a salvação e sobre a revelação cristã.
Salvar é livrar do perigo, não entrar sorridente no céu, indiferente à
sorte dos demais filhos de Deus. De tudo o que entendemos, concluímos que a
revelação cristã é o início de uma caminhada em direção ao bem. Ela não é prêmio,
nem garantia de acomodação, mas compromisso com a vida , não com a
"palavra". A Bíblia não tem poderes mágicos para conduzir o crente
aos braços de Jesus. É preciso viver de verdade, carregar a própria cruz e
seguir o mandamento maior da lei de Deus e isso, evidentemente, não se faz com
palavras ou com crenças.
João Senna. Médico, escritor e palestrante
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