As duas irmãs
A última paciente chamada à consulta foi Maria Helena
dos Prazeres.
Antes que chegasse, passei os olhos na sua
ficha clínica e li que dois anos nos separavam da sua última consulta. Tinha
ela cinquenta e quatro anos. A sua PA estava baixa, 90x60 Hg, razão por que eu
havia suspenso o uso de Anlodipina. Os exames de sangue, colesterol, glicemia
etc. estavam normais. O ECG estava com distúrbio de repolarização ventricular.
As suas queixas eram pinicadas no lado esquerdo do coração. O preventivo estava
normal como estavam normais as mamas, segundo a mamografia. Não lhe fora
prescrito qualquer medicação.
- Bom dia, doutor! – foi fazendo a
saudação, logo que transpôs a porta de entrada.
- Bom dia, Maria Helena! A que devo sua
visita? Estou olhando que sua última consulta foi há dois anos!
- É doutor, eu estava bem e agora resolvi
fazer alguns exames – respondeu-me.
- Há algum problema? Está sentindo alguma
coisa?
- Não. Quando vou me deitar, sinto umas pinicadas
aqui do lado do coração.
- Somente quando se deita? – continuei o
meu inquérito.
- É
- E a pressão, como vai?
- Às vezes, aumenta um pouco.
- Quanto?
- 140x90.
- Você está tomando algum remédio?
- Não.
- Está preocupada?
- Não.
- Está trabalhando?
- Sim.
- Trabalha de que?
- Em casa de família.
Eu estava tentando descobrir alguma causa
psicológica para essas “pinicadas”.
- Está bem com o trabalho? – continuei o inquérito.
- Sim.
- Você é casada?
- Sim.
- Vive bem com esse marido?
- Sim.
- Tem filhos?
- Não.
- Entrei na menopausa com trinta anos.
- Não procurou um ginecologista?
- Procurei, e ela me disse que era assim
mesmo. E me conformei.
- Há quanto tempo é casada?
- Com esse, nove anos.
- Já teve outro?
- Sim.
- Por que se separou?
- Ele arrumou outra, a minha irmã.
- Você tinha quantos anos de casada?
- Vinte e quatro anos.
Como foi essa estória?
Minha irmã de vinte e nove anos teve oito
filhos de relacionamentos diferentes. Ela deu os meninos aos pais para criar ou
a pessoas que se dispunham a fazer isso. Com isso, ganha bolsa família,
correspondente aos filhos que ela não cria. Grávida e com um garotinho de oito
anos, ela se sentiu desamparada. Como a nossa família não aceitava a sua
conduta, eu fiquei com pena e falei com meu marido que iria pô-la em nossa casa,
juntamente com o menino de oito anos. Ela teve o filho em nossa casa. Dois
meses após o parto, comecei a notar as coisas diferentes. O comportamento dele
em relação a ela, e o dela em relação a ele. Ele fazia o prato dela, e ela
começou a fazer cena de ciúme.
Uma vez, a levamos para uma festa da
família e demos bebida a ela, pra ver se ela soltava alguma coisa. Ele foi e
deu mais bebidas e mais fortes para ela se escornar. E foi o que aconteceu.
Dessa maneira, começou a soltar as coisas.
Morávamos na Ilha. Eu trabalhava aqui em
Salvador, com ele. Um dia, eu voltei para ilha, fora de hora, e ele não sabia.
O telefone tocou, e eu atendi. Ele pensando que era ela, se derramou em elogios
e conversas amorosas.
Eu procurei, nos pertences dela, um diário
onde ela fazia anotações. Lá estava escrito que gostava muito dele e que das
irmãs não gostava de uma. Entendi que era eu, a própria.
Ela continuou a estória:
- Noutro dia, ela torceu o pé, e ele ficou
em casa. O menino dela disse que o tio entrou no quarto dela e deu uma massagem
no pé e depois beijo. Daí a separação. Depois arrumei este, com quem vivo há
nove anos.
- Ele ainda está com ela? – eu estava
interessado na narrativa.
- Doutor, ele registrou todos os filhos
dela nome dele. Ele, agora, tem que dar a pensão aos filhos que não são dele.
- E ela, onde anda?
- Ela vai para o interior e transa com um
e com outro; ele fica como um cachorrinho atrás dela.
Como era a última paciente, e eu não
estava com pressa, passei a ouvi-la por muito mais tempo.
Examinei-a e solicitei os exames de
laboratório. Prescrevi uma leve medicação.
Ela se foi, deixando-me pasmo com a sua estória.
Texto extraído do livro ESTÓRIAS DE TODO DIA de autoria de Fernando Machado Couto, Médico e escritor
Digitalizado por Luzanira Fernandes
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