Bem-te-vi
Era uma vez dois gaviões. Eram gaviões sabidos. Os
tempos estavam bicudos. A comida estava escassa em todos os pastos. A seca
tomava conta de tudo. Não havia fruto, não havia carne. Quero dizer, não era
assim uma falta absoluta de tudo. Isso de dizer que não havia isso ou aquilo é
força de expressão, mas o que é preciso ficar bem claro é que havia uma crise
que atingia a todos, sem exceção, grandes e pequenos. Sabe como são as crises.
As coisas vão piorando devagarinho e só aos poucos é que vão sendo descobertas
as dificuldades. Hoje, isso, amanhã aquilo, iam escasseando as coisas. Como a
evolução é lenta e paulatina, mas persistente, a cada dificuldade surgida ia se
criando um meio de contornar. Mas o diabo é que a crise chegou a tal tamanho
que as esperanças foram ficando atrás como nos versos do poeta, e na frente só
se viam desenganos.
Foi aí
que os gaviões manjaram um golpe de mestre. Todos sabem que os gaviões vivem de
caça de animais terrestres pequenos e de outras aves. E essa caça escasseava,
não só porque com os tempos ruins, haviam de estar os pequeninos mais precavidos
com os gaviões e também porque de tão magrinhos não davam para alimentar bem.
Mas gavião é gavião e, como tal, os gaviões deram trato na bola e, em
consequência, resolveram lançar uma proclamação a todas as outras aves.
Anunciaram uma grande assembleia a que todas as aves deveriam comparecer. A
casa encheu. Quando digo “a casa encheu" é ”força de expressão para
compreensão dos humanos, pois a assembleia, se deu à sombra de um grande
Juazeiro, árvore que, como todos sabem, mesmo nas grandes secas continua verde.
O juazeiro é que nem verba do governo que sempre aparece dando sombra a muita
gente nas crises. Só que no caso deste conto não entrou verba do governo nem nenhuma outra verba, que o que
havia mesmo era falta de verba: a crise era, como disse de início, geral. Mas,
reunidas sob a frondosa copa do juazeiro, ouviram as avezinhas, tão desejosas
de solucionar a crise, a proclamação dos gaviões:
_
Companheiros! o culpado disso tudo é esse juazeiro! vamos destruí-lo bicadas.
Acontece
que o juazeiro verde, no meio da caatinga ressequida, enquanto para muitos
significa sombra, descanso e proteção contra o calor, pode parecer acinte à
secura e às dificuldades gerais nos momentos de crise, ante a fala de
agitadores, como era o caso dos gaviões. Questão de prisma através do qual se
olha a coisa. E os passarinhos todos se lançariam a tentar destruir, a bicadas,
o juazeiro, não aparecesse, naquele momento uma outra voz a clamar:
_
Bem-te-vi! bem-te-vi! No momento em que vocês estiveram entretidos dando
bicadas no juazeiro, os gaviões os devorarão, um por um.
Só aí os
passarinhos vieram a se lembrar de que gaviões não come milho nem fruta, é
carnívoro. E foi a maior revoada de pássaros, cada qual para o seu canto,
cuidar de sua vida, trabalhar para aliviar a sua crise, agora de olho mais
aberto contra os gaviões. E hão de continuar de olho aberto, pois eles os
gaviões, estão sempre na tocaia, na intenção de engoli-los. Também pudera!
Gavião, todo mundo sabe, só engorda com o cadáver dos pequeninos. Dizem que o
bem-te-vi é a única ave capaz de enfrentar o gavião. Será? Tomara que seja.
Bem-te-vi!
Texto extraído do livro Ideias Bambangas (8° livro de memórias) de autoria de José Lemos de Sant’ Ana . Médico, Empresário, Escritor.
Texto digitado por Luzanira Fernandes
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