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De parteiro a Conselheiro

Fui mais uma vez chamado para atendimento no Hospital de Caravelas. Havia chegado uma ambulância da cidade Nova Viçosa com uma parturiente. A minha presença era requerida. 

     Célere, fui cumprir a minha obrigação. Lá chegando, de imediato, vi uma ambulância estacionada. No hall de espera estavam sentadas duas senhoras com vestes e desalinhadas. Nas suas cabeças, havia lenços de tecido claro denotando que foram brancos em tempos passados. Cumprimentei-as e entrei no consultório, onde a parturiente já se encontrava deitada.  

     Cumprimentei-a e procedi à anamnese. Tinha quarenta e nove anos, vinte anos de casada, sem filhos. Era a primeira gestação. A menstruação havia sido suspensa há cerca de nove meses. A barriga começou a crescer de modo lento. Não havia ido ao médico fazer o pré-natal. As dores começaram lentas há três dias, e as parteiras que a acompanhavam não conseguiram fazer o parto. Não sabia de doenças, como hipertensão e diabetes etc.  

     Passei a examiná-la. Medi a TA, o pulso, olhei as mucosas, auscultei o coração e o pulmão. O abdômen era globoso, uniformemente arredondado. Não delimitei útero, muito menos insinuações na pelve. Ao comprimir, não divisei estrutura que me levasse a pensar em útero grávido. 

     A ausculta de possíveis batimentos cardiofetais foi negativa. Finalmente, fiz um toque que me confirmou útero diminuto e móvel. Realmente não estava grávida. Descalcei as luvas, me sentei na cadeira e pedi que levantasse e sentasse defronte a mim. 

     Comecei a fazer uma explanação sobre menopausa, sobre as implicações hormonais na mulher, e lá vai conversa. Falei de obesidade, que ela me confirmou ser familiar, e terminei para seu protesto, dizendo que ela não estava grávida. Passei mais uma hora desengravidando (perdoem-me o neologismo) sua mente, já que não havia gravidez no seu corpo.  

     Mais ou menos convencida, me preguntou o que deveria dizer aos vizinhos, aos parentes e aos amigos? Expliquei-lhe que poderia lhes dizer que havia tido um equívoco e que não indo ao médico, percebeu equivocada até aquele momento. Tudo foi esclarecido. Ainda atônita, terminou por aceitar.  

     - E agora, o que vou falar para o meu marido?  

     - Não há outra maneira, exceto falar a verdade – disse eu.  

     Ela ficou reticente.  

     - A senhora quer falar ou quer que eu fale com ele – ponderei.   

     - O senhor pode falar.  

     - Como é o nome dele? 

     - Francisco. 

     Abri a porta do consultório e pedi ao Senhor Francisco que entrasse. Fechei a porta e recomecei a expor a mesma ladainha que há pouco havia sido exposta à sua mulher. Ele ouviu tudo sem qualquer pergunta, contudo com olhos interrogativos.    

Findo o ato de convencimento, ela me perguntou: 

     -E o que vou fazer com estas roupinhas que estão na mala?  

    - Oh, dona! A senhora pode fazer doações a pessoas necessitadas, ou mesmo a pessoas de sua família, seus parentes... 

     O marido recolheu a mala. Eles deixaram o consultório e, na saída, informaram às parteiras acompanhantes que a senhora não estava grávida.  

      -Eu não disse! – falou uma delas.  

     Entraram na ambulância que os trouxe. A “ex- parturiente” se agasalhou na frente, não mais deitada, e todos voltaram para suas casas. 

Texto extraído do livro "Estórias de todo dia" de autoria de Fernando Machado Couto - Médico, Escritor




 

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