O desapontamento
Em
Angüera, vila pertencente à Feira de Santana, a escola Luz e União, mantida
pela maçonaria de Feira, foi a nossa escola primeira. Eu estudava, pela manhã,
com a Cartilha do Ensino Rápido; enquanto meu irmão estudava à tarde.
A professora
dele, D. Raimunda, tratava-o como aos demais alunos.
É mais
fácil um grupo conhecer uma pessoa do que uma pessoa conhecer cada participante
de um grupo. Explico: é mais fácil um aluno conhecer um professor do que um
professor conhecer um aluno. É mais comum um antigo cliente se recordar do
médico do que o médico se recordar do cliente. E natural que o paciente fique
eternamente grato ao médico que o tratou sem que o médico se recorde disso.
Casos semelhantes são rotineiros na vida do médico e específicos na vida do
paciente. Ele lembrará sempre e o médico facilmente esquecerá.
Pois
bem, D. Raimunda, professora de meu irmão, era mulher de Argolo, um colega de
meu pai.
Fomos
crescendo nos estudos, e meu pai lembrava a Argolo que a sua mulher fora professora
do seu filho.
- Ah,
rapaz, ela se recorda muito dele, e manda lembranças. Eu vou falar com ela!
Novos
reencontros de Argolo com meu pai, e novas lembranças e recordações da
professora daquele aluno.
-
Minha mulher manda um abraço para Everaldo, dizendo que está feliz com o fato
de ter passado no vestibular! – dizia Argolo ao seu colega.
Meu
pai chegava em casa eufórico, a dizer que a Professora Raimunda havia mandado
lembranças e votos de felicidades.
Meu
irmão se formou em Engenharia. Tendo participado da formatura, Argolo trouxe
notícias da felicidade que inundava a alma da sua mulher, a antiga professora
de Everaldo.
O
tempo foi passando lentamente.
-
Quando ele vier a Feira, não deixe de nos fazer uma visita! – Argolo trazia
mais um recado de sua mulher.
Durante
as comemorações de formatura, nosso pai, eu e meu irmão passamos defronte à
casa da velha professora. Meu pai, recordando-se do carinho com que a
professora manifestava pelo antigo aluno, resolveu parar o carro para que todos
nós fossemos fazer uma rápida visita e compartilhar com ela, as alegrias da
formatura em Engenharia Civil do seu querido aluno.
Descemos
todos. Meu pai bateu na porta. Apareceu a professora. Meu pai se identificou,
dizendo que era colega do marido dela e estava fazendo uma rápida visita. Ela
informou que seu marido não se encontrava, mas que pudéssemos todos entrar.
Entramos todos.
Sentamos
todos na sala, enquanto meu pai expunha a razão da nossa visita:
- Este
aqui é Everaldo, o seu aluno. Está formado em Engenharia e vem lhe render
homenagens pela dedicação que a senhora teve quando lecionava em Anguera. Venho
agradecer também, as lembranças e os votos de boa sorte e de felicidades de que
Argolo sempre foi portador.
A
professora ouviu-o atentamente. Após a exposição, ela respondeu em alto e bom
som:
- Não
me recordo dele, não.
Uma
grande e generalizada decepção desabou todos nós. Ficamos tácitos e
boquiabertos.
Após
bebermos uns copos de água, nos despedimos, com meu pai enviando um grande
abraço a seu colega Argolo.
Toda
vez que um assunto semelhante aparece, a estória é reavivada em nossa mente.
Depois de tanto tempo, ainda sentimos o gostinho da decepção.
Argolo demostrava uma finesse gratificante, ainda que fosse somente deslavada mentira.
Texto extraído do livro Estórias de Todo Dia, de autoria de Fernando
Machado Couto. Médico, Escritor
Contato para aquisição do livro: Thyana Tel.: 071.9 9120.9337
(Postagem ou motoboy)
Texto digitado por Luzanira Fernandes
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