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O pé do cavalo

CERTO NEGOCIANTE EM MEN-EL-RAD VINHA, HÁ ALGUM TEMPO, passando por uma fase de aperturas. Como as várias tentativas feitas para melhorar a sua situação não tinham surtido os resultados desejados e como ele possuía um concorrente que parecia progredir a largos passos, gravou-se-lhe na mente a convicção de que seria este o responsável pela sua desdita nos negócios.

     Com tal pressuposto, passou a idealizar meios com que neutralizar as influencias “prejudiciais” do seu adversário. Atacar é o melhor meio de defesa, lhe disseram.  Passou ao ataque. Retirou alguns dos bons funcionários do concorrente, oferecendo-lhes melhores salários; espalhou boatos tenebrosos a respeito da sua situação, descrevendo com cores negras, aos fornecedores, a conduta comercial do “pernicioso concorrente” e mais boatos entre os fregueses e pessoas conhecidas.

     Como nada disso tivesse feito melhorar a sua situação ou, ao menos, piorar a situação aparente do seu concorrente, resolveu apelar, de acordo com a recomendação de um dervixe, para as forças da feitiçaria. Por indicação do mesmo dervixe, procurou a bessara Julamar, instalada no Oásis das Tamareiras. Esta bessara famosa, iniciada no escola das velhas sibilas, cobrava uma moeda de prata por cada pergunta feita e as suas respostas, na maioria das vezes, implicavam em grandes trabalhos de interpretação. Se o consulente repetisse a pergunta, pagaria novamente. Informado desses detalhes e não podendo dispender mais que duas moedas de prata, teria de se limitar a duas perguntas.

     Chegado diante da pitonisa, fez-lhe a pergunta essencial, a pergunta que o perseguia dia e noite: - que devo fazer para derrotar meu único e forte concorrente?

     A bessara, após pensar um instante, respondeu-lhe pausadamente: - urine no pé do seu cavalo – e calou-se.

     Ele pensou alguns momentos, pois achou a resposta estranha e nada suficiente para solucionar o seu problema. É verdade que ele tinha lá suas superstições, mas não podia compreender como isso servisse para tal finalidade. De qualquer modo, como já vinha preparado para pagar duas perguntas, perguntou em seguida: - além disto poderia eu fazer qualquer coisa mais?

     A sibila famosa fechou os olhos por instantes, como se concentrando e logo em seguida respondeu: - ajudará muito se lançar contra seu concorrente uma bolsa cheia de moedas.

     Nada mais podendo perguntar; pagou as duas moedas de prata e retirou-se. Passou a executar ao pé da letra a primeira recomendação da feiticeira: a cocheira, no fundo d sua casa, era o seu mictório. Esperou alguns meses praticando esse hábito e não houve resultado favorável. Pelo contrário, sentiu que as aperturas comerciais aumentavam, enquanto o seu concorrente lhe parecia feliz da via nos negócios. Resolveu então cumprir as determinações da segunda resposta da sibila. Para isso, arranjou empréstimos com alguns dos conhecidos agiotas da praça e juntou todo o dinheiro conseguido numa só bolsa. Conhecedor dos hábitos do seu concorrente, esperou-o no caminho de volta a casa escondido por traz de uma sebe e mal este foi se aproximando, lançou-lhe a bolsa recheada de moedas e retirou-se sem ser visto.

     Continuou ainda com a prática da cocheira, mas o seu negócio em nada melhorou, enquanto, a olhos vistos, o seu concorrente tomava um grande impulso.

     Certa feita, já desiludido, encontra-se numa reunião social com seu velho concorrente. Embora um tanto escabreado, aceitou a saudação que este lhe fazia e entabulou conversa. A certa altura o outro falou sobre uma crise por que passara há cerca de três anos e, graças aos conselhos de uma famosa bessara, se safra bem. Pela descrição, compreendeu que ele fora bater na porta da mesma feiticeira. Interessou-se e perguntou:

     - Que conselhos ela lhe deu?

     - Disse-me que urinasse no pé do cavalo e lançasse uma bolsa cheia de moedas contra meu concorrente. Como estranhasse aqueles conselhos, procurei um ulemá para me explicar e esse me contou uma velha história do homem que possuía um cavalo magro, que passou a engordar com essa prática, pois o cavalo passou a ser mais visto pelo dono. Disse-me ele que urinar no pé do cavalo é assistir o próprio negócio com cuidado, atenção e assiduidade.

     - E lançar a bolsa...?

     - Bem, a sua explicação também me foi lógica e convincente. Ele me esclareceu que as pitonisas têm uma tradição de só falar por metáforas ou parábolas, de modo a admitir mais de uma interpretação. De modo que, se eu arranjasse algum dinheiro emprestado e o aplicasse sensatamente no meu negócio, ou seja, em favor deste, na certa estaria, indiretamente, lançando-o contra qualquer possível concorrente. Isso fiz e deu resultado.

     O malogrado negociante nada mais perguntou e saiu triste a pensar:  mesmo conselho, que nada lhe adiantara, salvara o seu concorrente.

     Louvado seja Alah!

                                                                                                                                                                        Texto extraído do livro Histórias do viajante Narum, de autoria do médico e escritor José Lemos de Sant’ Ana 

                                                                                                                                                                         Digitado por Luzanira Machado Fernandes

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