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Terra de Sapo

CERTO DIA EM QUE, EM CASA, DESCANSAVA APÓS UM DIA DE trabalho, fui procurado por meu velho amigo Sadolo Mirsa. Vinha solicitar a minha interferência para a consecução de um negócio que estava tratando. Explicava ele:

     _ Estou em entendimentos com o Sheik Adraj Ruak para lhe comprar duas casas conjugadas existentes à Rua da Alameda Florida, mas estou com receio de que ele fuja ao negócio.

     _ Como assim?

      _ Ele realmente quer vender as casas e, tendo eu inquirido o preço, informou ser de quinhentos mil dinares as duas. Como o tivesse achado alto, propus quatrocentos e vinte mil. Não foi aceito. Após esse encontro aumentei a oferta para quatrocentos e quarenta, e depois para quatrocentos e setenta. Não aceitou. Como preciso adquirir as casas, terei de chegar aos quinhentos, mas tenho receio de que fuja do negócio com uma desculpa qualquer.

     _ Em que você se baseia para suspeitar de que ele agirá assim?

     - Um amigo, com quem comentei o assunto, disse-me que tivesse muita cautela pois, no momento em que eu aceitasse o seu preço, ele arranjaria desculpa para desistir ou exigir novo preço mais alto. Assim tem ele feito mais de uma vez com outros.

     _ E se você lhe pedisse uma proposta escrita do valor pedido?

     _ Já lhe pedi e me respondeu que, conhecendo como nos conhecemos, não há necessidade de documento.

     _ Pelo que vejo, ou ele é do tipo ignorante, ou seja, não sabe o valor e por isso fica ao sabor das ofertas, ou então é do tipo desonesto que quer mais do que realmente vale, calculando o montante do negócio, não pelo valor da coisa, mas pela necessidade de quem compra. Num caso ou no outro é sempre um homem difícil para se tratar, pois, se no primeiro caso, ele subirá o preço à medida em que você igualar, julgando que pediu menos do que vale (ele se guia pela sua capacidade e não pela dele), no segundo caso ele subirá o preço para arrancar o máximo aproveitando o seu interesse demostrado. 

    - É, parece que ele tem um desses dois defeitos, mas, segundo fui informado, aos documentos assinados ele respeita. Não sei porém como conseguir sua declaração escrita.

     - Então, você quer aceitar o preço pedido de quinhentos mil dinares, mas só quer aceitar quando ele já não possa recuar de forma alguma. Nesse caso o documento assinado por ele seria o ideal. Vamos então estudar um jeito de consegui-lo.

     Conversamos sobre várias maneiras possíveis de força-lo a escrever que venderia pelos quinhentos. Afinal meu amigo saiu com uma idéia que, disse-me, iria pôr em execução logo na manhã seguinte.

     Passaram-se algumas semanas e, por acaso, encontramo-nos no Café Kermabad. Aproveitando a oportunidade perguntei-lhe se tinha afinal conseguido fechar o negócio com o Sheik Adraj Ruak.

     _ Consegui, usando uma ideia surgida nosso encontro – disse-me.

     _ Como foi? – perguntei.

     _ No dia seguinte pela manhã escrevi uma carta em que lhe perguntava se não poderia vender uma das casas separadamente (lembre-se que o negócio é com duas casas conjugadas) e caso não pudesse, se não poderia fazer  o preço de quatrocentos e setenta mil que já lhe oferecera e qual o prazo que ele faria para pagamento. Coloquei a carta num envelope e mandei levar-lhe pelo meu jardineiro homem analfabeto e muito ignorante. Instruí-o porém para que entregasse a carta em mãos do próprio sheik e aguardasse a resposta deste que certamente diria: diga a Sadalo que só vendo as duas, só pode ser quinhentos mil e à vista. Logo que ouvisse essas palavras, meu jardineiro deveria se retirar; mas em seguida voltar e perguntar como era o recado que não tinha entendido. Ele certamente repetiria o recado com mais energia. Meu jardineiro repetiria a sua cena voltando a perguntar segunda vez. Isso certamente o irritaria. Na terceira vez meu portador proporia: não é melhor o senhor escrever um bilhete explicando?

     _ E deu certo?

     _ Se deu! De lá meu jardineiro trouxe um bilhete para mim dizendo assim: só vendo as duas juntas, só vendo por quinhentos mil dinares e só pode ser à vista. Assinado. De posse do bilhete, fiz-lhe outra carta pelo mesmo portador em que lhe dizia concordar com o preço e condições propostas e solicitava um encontro à tarde para combinarmos legalização da transação e pagamento. Logo, à tarde, o procurava e ele não pôde fugir ao negócio.

     Meu amigo e eu sorrimos juntos.

     Às vezes penso quanto é injusto termos, em certa ocasiões, de abdicar de nossa conduta correta, por força da estupidez de outros com quem somos obrigados a tratar, partilhando de suas maneiras em desacordo com a nossa integridade. Dizem que em terra de sapo convém andar pulando.

Alahur Akbar.

Texto extraído do livro Histórias do Viajante Narum, de autoria de José Lemos de Sant´Ana, médico, escritor

Digitado por Luzanira FernandesTerra de   

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